quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Crítica de Marisa Naspolini sobre o Cena 9

25 de agosto de 2012 | Diário Catarinense
CONTEXTO | Marisa Naspolini




A vida não para

A senhora de uns 70 anos saiu cabisbaixa e comentou com a amiga: fico triste, emocionada. A amiga devolveu: é bom ver as coisas de outro modo. Faz a gente pensar. As duas silenciaram e saíram caminhando abraçadas pela praça. Haviam acabado de assistir ao espetáculo (R)Existência, uma produção envolvendo mais de 100 artistas que ocupou o Centro Cultural Deutsche Schule, em Joinville, nos dias 18, 19 e 20 de agosto. O trabalho, que propõe um percurso por diversas fases da existência humana, se concentra na velhice e lança questões. É preciso resistir para existir?

Nas diversas salas do imponente prédio do século XIX, que foi a primeira escola alemã da cidade e depois tornou-se parte integrante do Instituto Bom Jesus, velhos e velhas, atores e atrizes, crianças e adolescentes vivem fragmentos de suas vidas, provocando o público a refletir sobre sua própria velhice. Um senhor joga xadrez solitário, aparentemente em paz com sua condição. Uma senhora serve o café sobre a mesa posta enquanto aguarda companhia, que pode chegar ou não. Um casal de idosos senta-se hipnotizado em frente à TV enquanto a ampulheta do tempo corre. A vida não para.

O espetáculo fez parte da mostra Cena 9, organizada pela Ajote, Associação Joinvilense de Teatro, em parceria com o Sesc, que acontece pela nona vez consecutiva, evidenciando o fôlego da produção e organização da classe teatral local, que tem o mérito de, entre outros, administrar um espaço teatral próprio, conquistado há alguns anos junto ao poder público municipal, que teve lotação esgotada durante todas as sessões.

A velhice continuou na mira dos teatreiros locais no dia seguinte, quando um casal de atores idosos ocupou a cena criando um mundo particular de confusão e mal-entendidos, misturando lembranças, nomes e locais, jogando com sintomas próprios da idade avançada e com a memória que permanece. Ou não. O espetáculo (C) elas também abordou um tema fundamental, investigando a linguagem da performance para falar do universo carcerário feminino. Uma pesquisa sobre mulheres presas em Joinville deu origem às construções imagéticas e sonoras que o grupo coloca em cena, buscando revelar os impulsos e sensações que habitam esses corpos femininos transgressores. “Eu sou o bicho que você criou, desgostou e escondeu em uma jaula”, diz o texto projetado em caracteres sobre o cenário, devolvendo ao espectador os sonhos, as limitações e as impossibilidades de cada um de nós.

A mostra continuou com uma programação que inclui poesia, teatro de rua, teatro de sombras e lançamento de livros, com evocações a Fernando Pessoa, Cruz e Sousa e Artur de Azevedo, entre outros. Após uma semana intensa de apresentações, a imagem das janelas escancaradas do Deutsche Schule, iluminadas pela lua e pelas luzes dos holofotes, permanece sendo um convite à contemplação.

Contemplação da arquitetura da cidade, da potência do trabalho coletivo, do amor à criação artística. O casarão imóvel, porém vivo, parece lançar perguntas no espaço. Que vidas teriam passado por ali? Que memórias comportam essas paredes? Como nos relacionamos com nossa própria história? Para onde vamos? Que escolhas fazemos? Que cidade é essa?

Ao proporcionar aos moradores de Joinville um olhar diferenciado sobre a cidade que habitam, a Cena 9 cumpre mais do que o seu papel de aproximar a população da arte produzida localmente. Dá um passo no sentido de ampliar os significados de cidadania. E a vida segue...

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