quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Performatização da atuação

     Transcrevo aqui trecho de meu livro Sobre Performance e dramaturgia do ator contemporâneo, que será lançado ainda este ano pela editora da Udesc, com patrocínio do SIMDEC, FCJ e Governo de Joinville.
    Esta parte do texto diz respeito à influência da performance no trabalho do ator contemporâneo, criando um estilo de atuação ao qual chamei performatização da atuação.
     Dialoga com o processo de investigação que realizei com a atriz Samira Sinara na montagem do espetáculo (c)elas.
         Quem tiver interesse em ler o texto de minha dissertação de Mestrado em Teatro que gerou este livro, pode fazer o download através do link http://www.ceart.udesc.br/ppgt/dissertacoes/2010/jacobs.pdf
          Boa leitura!

Daiane Dordete.

Capítulo I - Ator e contemporaneidade
Subcapítulo - A escritura de si mesmo a partir de 1970: alguns indícios

"A terceira modalidade de atuação que identifiquei em manifestações teatrais contemporâneas diz respeito, talvez, a uma maior aproximação conceitual da performance art, além de se relacionar diretamente com as definições de ator pós-dramático trazidas por Bonfitto:

De fato, idealmente falando, e em sintonia com a abordagem de Lehmann, o ator pós-dramático deve possuir competências que transitam entre o teatro dramático, o circo, o cabaret, o teatro de variedades, o teatro-musical, o teatro-dança, e a performance, dentre outras manifestações que compõem o continuum das artes cênicas ou performáticas. (2009: 92-93)

Esta oscilação entre diversos estilos e técnicas de atuação se apresenta recorrente em algumas encenações, e pode reunir por aproximação conceitual nomes diversos como Jan Lauwers, Richard Schechner, Pina Bausch, Teatro da Vertigem, Companhia dos Atores, entre outros.
            A dramaturgia do ator, deste modo, constrói-se no trânsito entre performatização do próprio self, entendido como material, performance no sentido de desempenho virtuosístico e ainda codificação de partituras, não relacionadas à representação mimética de personagens (realismo), mas quase sempre a movimentos de dança.
            Segundo Pavis (2005: 55), “O performer, diferentemente do ator, não representa um papel, age em seu próprio nome”.
            Contudo,
           
“agir em seu próprio nome” não significa para o performer “fazer a si mesmo”, pois apesar de haver ruptura com a representação tradicional, ele representa algo (simboliza) em cima de si mesmo, numa auto-representação - ou self as context - que não é o seu estado cotidiano. Nesse estado de auto-representação o performer busca em seu repertório pessoal os arquétipos universais que lhe oferecerão as bases para a criação da persona (...). De acordo com Cohen (2002: 107) enquanto a persona diz respeito a algo mais universal, arquetípico, a personagem, com seu psicologismo, torna-se mais referencial. (STECKERT, 2007: 02)

A auto-referencialidade presente na performatização da atuação leva a uma valorização do instante presente, e obriga o performer a aprender a conviver tanto com o tempo/espaço real quanto ficcional. Do mesmo modo, o performer assume e abandona as personagens, as quais não possuem aprofundamento psicológico. A performance tem também a característica de show, tendo uma relação com o publico que se assemelha ao circo, ao cabaret e ao music-hall.
            Todavia, a característica mais acentuadamente performática desta modalidade de atuação não se apóia na improvisação, em detrimento do treinamento e da codificação. Como explica Schechner,

Performances artísticas, rituais ou cotidianas são todas feitas de comportamentos restaurados, ações performadas que as pessoas treinam para desempenhar, que têm que repetir e ensaiar. (2003:27)

E ainda: “(...) o comportamento restaurado é – eu me comportando como se fosse outra pessoa, ou eu me comportando como me mandaram ou eu me comportando como aprendi” (SCHECHNER, 2003: 34).
A pluralidade da atuação performatizada em Jan Lauwers e da sensação de espontaneidade criada pela atuação de seus atores é descrita por Lehmann:

Apesar da encenação calculada e ensaiada, a (aparente) descontração dos atores, a ausência de um direcionamento rígido das ações, a interrupção do diálogo pela inserção de pequenas danças levam de modo recorrente a um isolamento do procedimento cênico.
Quando o teatro se mostra como esboço e não como pintura acabada, propicia ao espectador a oportunidade de sentir a presença, de refletir, de contribuir ele mesmo para algo incompleto. O preço disso é o conseqüente rebaixamento da tensão, já que o espectador tanto mais se concentra nas ações físicas e na presença dos atores. (2007: 185)"


Referência bibliográficas:


BONFITTO, Matteo. “O ator pós-dramático: um catalisador de aporias?” in J. Guinsburg e Sílvia Fernandes (org.). O pós-dramático: um conceito operativo? São Paulo: Perspectiva, 2009.


LEHMANN, Hans-Thies. “Motivos para desejar uma arte da não compreensão” in Urdimento – revista de estudos em Artes Cênicas/Universidade do Estado de Santa Catarina. Programa de Pós Graduação em Teatro. Florianópolis: UDESC/CEART, 2007, vol. 01, n. 09, p.141-149. Trad. Stephan Baumgärtel.

PAVIS, Patrice. A Análise dos Espetáculos. Trad. Sérgio Sálvia Coelho. São Paulo: Perspectiva, 2005.


SCHECHNER, Richard. “O que é Performance?. Trad. Dandara. In Revista Percevejo, no. 11, 2003. RJ.

STECKERT, Daiane Dordete. “Ator Narrador e performer: onde as vozes se encontram” in Anais do II Seminário de Pesquisa em Artes da Faculdade de Artes do Paraná. Curitiba: FAP, 2007. 1 CD






Nenhum comentário:

Postar um comentário